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Se Benze Que Dá

No coração da Maré, onde o mar encontra a terra e os sonhos se entrelaçam como os fios de uma rede, vive-se uma história de solidariedade e resistência.

É um convite à união, um chamado para todos os irmãos, para que se juntem no samba que é de mutirão.

Sob o sol forte ou céu estrelado, as vozes se elevam em harmonia, tecendo rimas como tecelãs habilidosas que entrelaçam os fios da vida.

Nas lajes das casas humildes, o som dos tambores ecoa, rompendo as barreiras invisíveis que separam os corações.

É a comunidade, pulsando como um único ser, onde todos dão as mãos em uma dança sagrada de esperança e solidariedade.

Nesse universo de poesia e luta, as divisas desaparecem, e o povo se torna a própria essência da sociedade.

Acredita-se no poder da coletividade, na força dos que resistem juntos, unidos pelo mesmo ideal de justiça e igualdade.

É o samba que une, que acalma as águas revoltas da vida e aponta para um horizonte de esperança.

A cada batida dos tambores, um eco de liberdade ressoa nos becos e ruas estreitas, anunciando que o dia da mobilização está próximo.

Se benze que dá, pois o caminho está aberto para aqueles que têm fé no poder do povo, no poder da música e na força da união.

Esta é a galera da Maré, uma comunidade de gente bamba, de corações valentes que enfrentam as adversidades com dignidade e amor.

E neste samba, neste canto de resistência, encontram-se as vozes de todos aqueles que acreditam em um mundo melhor, onde a solidariedade e o respeito são os verdadeiros pilares da sociedade socialista.

Texto ficcional

Esqueleto

   

Na penumbra do entardecer, as sombras da antiga Favela do Esqueleto se estendiam pelo terreno onde hoje se ergue majestosa a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 

No entanto, a história daquele lugar remete a tempos muito diferentes, tempos marcados pela luta e pela resistência de um povo esquecido.

Era o ano de 1930 quando as primeiras construções improvisadas começaram a brotar entre as estruturas abandonadas do que seria um hospital do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). 

As pessoas, desabrigadas e desamparadas, viram naquelas ruínas a oportunidade de um lar. 

Assim, a Favela do Esqueleto nasceu, um emaranhado de barracos e vielas que abrigavam vidas marcadas pela adversidade.

As décadas passaram, e a favela cresceu, tornando-se um ponto de referência na paisagem urbana do Rio de Janeiro. 

Contudo, nos anos 60, uma sombra ameaçadora pairou sobre aquele pequeno universo.

O projeto de remoção de favelas das áreas centrais e nobres da cidade ganhou força, impulsionado pelo apoio dos Estados Unidos e pela sombra sinistra da ditadura que se instalara no país.

Os moradores do Esqueleto foram obrigados a abandonar suas casas, seus lares improvisados, e foram levados para terras distantes do centro e da zona sul.

A maioria encontrou destino na então recém-fundada Vila Kennedy, uma homenagem ao presidente dos Estados Unidos que financiara o projeto de remoção.

Antes de chegar à nova morada, porém, enfrentaram uma provação ainda maior.

O Centro de Habitação Provisória (CHP), na Maré, era o primeiro ponto de parada para aqueles que eram deslocados. 

Mas o que era para ser temporário tornou-se uma verdadeira saga.

Os barracões insalubres e as condições de vida precárias alimentavam um clima de descontentamento entre os alojados.

Foi nesse cenário de desesperança que surgiu a semente da resistência.

Os moradores, unidos pela adversidade, fundaram uma Associação de Moradores por volta de 1980.

Aos poucos, o que era para ser um lugar provisório se transformou em uma comunidade permanente. 

Assim, nascia a Nova Holanda, um reduto de esperança em meio à escuridão da opressão.

Nas vielas estreitas e nos barracos de madeira, o espírito de solidariedade prevalecia.

As histórias de luta e superação ecoavam entre as paredes, fortalecendo o vínculo entre aqueles que ali viviam.

A cada dia, a Nova Holanda se erguia mais forte, desafiando as adversidades e reivindicando seu lugar na cidade.

E assim, a Favela do Esqueleto, um dia banida e esquecida, tornou-se o berço de uma nova comunidade.

Entre os escombros do passado, brotou uma nova esperança, alimentada pelo desejo inabalável de liberdade e justiça. 

E na memória daqueles que ali vivem, o nome da antiga favela ecoa como um lembrete de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a luz da resistência nunca se apaga.


Texto ficcional

Arte: pintonorio

  




Sanear


Numa terra onde o sol queimava forte como o desejo de liberdade, a Maré erguia-se como uma fortaleza de esperança, ainda que cercada por ameaças ocultas.

Era a década de 80, e a ditadura empresarial/militar ousava intervir na vida dos maréenses com promessas de um futuro melhor.

Mas o que para muitos parecia um gesto de benevolência, revelava-se como uma teia maquinada pelos poderosos, uma trama de interesses escusos.

Nas páginas amareladas dos jornais da época, ecoavam os discursos políticos, entrelaçados com os gritos daqueles que clamavam por justiça.

"Figueiredo vem ao Rio para visitar projeto na área da Maré", estampava O Globo em letras garrafais, como se o nome do presidente fosse uma bênção para os desfavorecidos.

Por trás das cortinas do poder, os verdadeiros propósitos se revelavam: eleições, reformas, estratégias para manter-se no comando.

A Maré, porém, não se curvava facilmente à tirania.

Reuniões tumultuadas em assembléias, comitês clandestinos sussurrando conspirações, associações de moradores unidas como um escudo contra a opressão.

A resistência crescia, alimentada pela solidariedade e pelo desejo de dignidade.

O que começara como um projeto de aterros e remoções, transformava-se sob a pressão popular em uma luta pela urbanização.

E assim, entre promessas vazias e esperanças renovadas, o tempo seguia seu curso.

Casas populares erguiam-se como um símbolo de progresso, títulos de propriedade distribuídos como moedas de troca em palanques políticos.

"Entregues 1546 casas na vila do João, além de 1057 títulos de propriedade em clima de comício político", proclamava o jornal, enquanto o povo assistia, cético, desconfiado das intenções por trás dos sorrisos forçados.

Mas o fim das obras não trouxe o alívio esperado.

A desilusão espalhou-se como uma sombra sobre a Maré, quando o governo decretou o encerramento dos trabalhos, apesar da maioria da favela permanecer à margem da urbanização prometida.

Os protestos ecoaram pelas vielas estreitas, reverberando como um grito de revolta contra a injustiça.

No turbilhão dos anos que se seguiram, a Maré resistiu.

Retomou-se a luta, as obras foram reiniciadas, encerradas novamente, num ciclo interminável de promessas quebradas e sonhos adiados.

E embora o cenário pudesse parecer desolador, entre os escombros erguia-se a força indomável do povo, a certeza de que, mesmo diante das adversidades, a esperança jamais se extinguiria na Maré.

Texto ficcional

Arte: pintonorio

Nações


Como circustância das duas grandes guerras mundiais, a paisagem do Rio de Janeiro começou a transformar-se gradualmente entre novembro de 1918 e setembro de 1950.

A industrialização progressiva dos subúrbios cariocas, impulsionada pelo aumento das exportações e pela diversificação da produção, desenhou novos horizontes urbanos.

As fábricas, como sentinelas metálicas, ergueram-se nos subúrbios cariocas, um testemunho da transformação que as guerras trouxeram.

Mas enquanto a fumaça das chaminés enegrecia o céu, a esperança pairava frágil sobre os ombros dos migrantes, que chegavam em busca de um pedaço de pão, uma fatia de dignidade nas entranhas da cidade.

Nesse cenário, onde a fumaça das chaminés se mesclava ao azul do céu, ergueu-se a fervilhante Maré.

A Cidade dos Aliados, rebatizada posteriormente como Praça da Nações, emergiu como um símbolo da modernidade e progresso.

Antes uma vasta extensão de terras da Fazenda do Engenho da Pedra de Inhaúma, agora um polo urbano em ascensão.

Guilherme Maxwell, o engenheiro visionário, traçou ruas e praças, batizadas em homenagem aos países aliados da Primeira Grande Guerra e suas capitais: Londres; Paris; Roma; Bruxelas...

Próximo dos rios Faria, Timbó e Jacaré, as indústrias pioneiras encontraram abrigo, mas essas indústrias pioneiras, já antes de 1930, buscavam terrenos altos, distantes das cheias dos rios e das enchentes que ameaçavam devorar os sonhos dos trabalhadores.

Nos subúrbios adjacentes, indústrias como a Companhia Nacional de Tecidos Nova América e a General Electric estendiam suas influências.

À medida que as fábricas se multiplicavam, a cidade estendia seus braços para acolher os novos migrantes, atraídos pelo promissor mercado de trabalho.

No entanto, junto com o influxo populacional veio também o desafio das favelas em expansão, marcando o desequilíbrio entre o crescimento industrial e as políticas de urbanização.

Entre os barracos, palafitas, pontes de madeira e os becos escuros, nasceu a Maré, uma comunidade entrelaçada por fios de sobrevivência e solidariedade.

No fulgor das novas oportunidades e as sombras das desigualdades sociais, a Maré florescia, testemunhando a jornada épica da urbanização carioca, forjada nos estilhaços de uma guerra mundial.

E assim, entre o rugido das máquinas e os sussurros do passado, a Maré cresceu, não apenas em números, mas em histórias entrelaçadas, como os fios de uma teia invisível que conectava cada vida, cada sonho, cada esperança numa rede inquebrável de humanidade.

Texto ficcional