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Numa terra onde o sol queimava forte como o desejo de liberdade, a Maré erguia-se como uma fortaleza de esperança, ainda que cercada por ameaças ocultas.

Era a década de 80, e a ditadura empresarial/militar ousava intervir na vida dos maréenses com promessas de um futuro melhor.

Mas o que para muitos parecia um gesto de benevolência, revelava-se como uma teia maquinada pelos poderosos, uma trama de interesses escusos.

Nas páginas amareladas dos jornais da época, ecoavam os discursos políticos, entrelaçados com os gritos daqueles que clamavam por justiça.

"Figueiredo vem ao Rio para visitar projeto na área da Maré", estampava O Globo em letras garrafais, como se o nome do presidente fosse uma bênção para os desfavorecidos.

Por trás das cortinas do poder, os verdadeiros propósitos se revelavam: eleições, reformas, estratégias para manter-se no comando.

A Maré, porém, não se curvava facilmente à tirania.

Reuniões tumultuadas em assembléias, comitês clandestinos sussurrando conspirações, associações de moradores unidas como um escudo contra a opressão.

A resistência crescia, alimentada pela solidariedade e pelo desejo de dignidade.

O que começara como um projeto de aterros e remoções, transformava-se sob a pressão popular em uma luta pela urbanização.

E assim, entre promessas vazias e esperanças renovadas, o tempo seguia seu curso.

Casas populares erguiam-se como um símbolo de progresso, títulos de propriedade distribuídos como moedas de troca em palanques políticos.

"Entregues 1546 casas na vila do João, além de 1057 títulos de propriedade em clima de comício político", proclamava o jornal, enquanto o povo assistia, cético, desconfiado das intenções por trás dos sorrisos forçados.

Mas o fim das obras não trouxe o alívio esperado.

A desilusão espalhou-se como uma sombra sobre a Maré, quando o governo decretou o encerramento dos trabalhos, apesar da maioria da favela permanecer à margem da urbanização prometida.

Os protestos ecoaram pelas vielas estreitas, reverberando como um grito de revolta contra a injustiça.

No turbilhão dos anos que se seguiram, a Maré resistiu.

Retomou-se a luta, as obras foram reiniciadas, encerradas novamente, num ciclo interminável de promessas quebradas e sonhos adiados.

E embora o cenário pudesse parecer desolador, entre os escombros erguia-se a força indomável do povo, a certeza de que, mesmo diante das adversidades, a esperança jamais se extinguiria na Maré.

Texto ficcional

Arte: pintonorio