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A Ilha


Nas profundezas da memória coletiva da Vila dos Pinheiros, reside uma história que hoje poucos puderam dizer que testemunharam.

É um conto antigo, mergulhado nas marés e no tempo, sobre uma ilha resistente entre as águas da enseada de Inhaúma.
Era uma vez a Ilha do Pinheiro, um pequeno paraíso verdejante em meio ao caos urbano do Rio de Janeiro.
 
Conhecida pelos moradores antigos como "Ilha dos Macacos" e hoje pelos mais jovens simplesmente como "Mata", essa ilha era o último vestígio do Arquipélago do Fundão, resistindo bravamente aos caprichos do progresso e à voracidade dos homens.

Em 1949, o presidente Getúlio Vargas, instigado pelo ministro da Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema, ordenou o aterro da região para a construção da grandiosa Cidade Universitária. 

Mas a Ilha do Pinheiro não cedeu facilmente. 

Firme como um rochedo contra as ondas, resistiu aos avanços da modernidade e aos desejos do "progresso".

No entanto, em 1979, durante os aterros do chamado Projeto Rio, a ilha finalmente sucumbiu. 

As águas que a cercavam foram contidas, e a terra firme se estendeu para abraçá-la. 

Assim, a Ilha do Pinheiro foi anexada ao continente, perdendo sua identidade insular para se tornar parte de algo maior.

Mas o destino da ilha não foi selado ali. 

Sob os interesses da ditadura civil/militar, novos planos foram traçados. 

Habitações populares foram erguidas sobre o solo outrora verde, transformando a paisagem natural em um emaranhado de concreto e ferro.

E assim nasceu a Vila do Pinheiro, um conjunto de moradias modestas que guardava em seu nome a lembrança da ilha perdida. 

Entre as paredes estreitas das casas germinadas, os habitantes da vila seguiam suas vidas, mantendo viva a chama da memória.

Era lá, na Vila do Pinheiro, que a história da Ilha do Pinheiro encontrava um novo capítulo, primeiro como Parque Municipal Ecológico da Ilha  do Pinheiro e a partir de 2021 como Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos.

Entre as ruas e os becos, ouve-se o eco das águas que um dia banharam aquelas terras. 

E mesmo que o passado estivesse enterrado sob o peso do progresso, suas raízes continuariam a se entrelaçar com o presente, lembrando a todos que, por trás de cada tijolo e cada telha, havia uma história de uma antiga ilha para ser contada.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias

A Creche

    Em uma noite fria de junho, na Favela da Maré, um grupo de moradores se reunia em uma pequena sala comunitária para discutir uma ideia que poderia trazer um pouco de esperança para a comunidade da Nova Holanda: uma festa junina para arrecadar fundos para uma creche local.
    
Entre os presentes estavam professores que sonhavam com um futuro melhor para as crianças da favela, e mães dedicadas que buscava oportunidades para seus filhos.

Decididos a levar adiante o projeto, os moradores organizaram tudo meticulosamente, preparando comidas típicas, montando barracas e planejando atividades para as crianças.

No entanto, havia um obstáculo: a necessidade de autorização para fechar a rua onde seria realizada a festa.

Com coragem, alguns colegas decidiram ir até o 22º batalhão de Polícia Militar para pedir a autorização necessária.

Ao chegarem lá, foram recebidos pelo comandante, que os encarou com desconfiança.

Após ouvir a proposta, o comandante lançou um aviso sombrio: "Eu não vou dar autorização nem vou impedir, se os "meninos" estiverem por perto e houver problemas, a responsabilidade será de vocês".

Essa resposta ecoou na mente dos moradores, trazendo à tona as tensões e desafios enfrentados diariamente na favela.

Uma ameaça pairava como uma sombra sobre a festa planejada com tanto carinho para as crianças da comunidade.

Enquanto isso, discursos desumanos das autoridades ecoavam como uma sinfonia macabra, reforçando a ideia de que a vida na favela não tinha o mesmo valor que em outros lugares.

Palavras que denotavam a desvalorização da vida nas favelas, como se fossem territórios onde as regras da humanidade não se aplicassem completamente.

As frases cruéis e desumanas proferidas por políticos e autoridades ecoavam como um grito de desespero para aqueles que lutavam por dignidade e justiça.

Sentiram-se abandonados pelo Estado, que parecia mais preocupado em manter sua "ordem" do que em proteger a vida das crianças da comunidade.

No entanto, apesar das adversidades e do constante desrespeito às vidas daqueles que habitavam a favela, a comunidade se uniu em solidariedade e resistência.

No dia da festa junina, as ruas da Nova Holanda se encheram de cores e música.

Mesmo com o risco iminente da presença dos "meninos" e da violência que os acompanhava, a comunidade se uniu em um ato de resistência pacífica, mostrando que a solidariedade e o amor podiam superar qualquer obstáculo.

A festa junina aconteceu, trazendo alegria e esperança para as crianças e suas famílias, que se recusavam a aceitar a desumanização imposta sobre eles.

Enquanto o mundo exterior continuava a menosprezar suas vidas e a relativizar sua humanidade, os moradores da Favela da Maré se mantinham firmes, lutando por um futuro onde todos fossem reconhecidos como iguais, independentemente de onde vivessem ou de sua condição social.

Pois sabiam que, apesar de todas as adversidades, eram seres humanos dignos de respeito e dignidade, e estavam determinados a lutar por um futuro melhor para si e para as gerações vindouras.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio