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Manifesto Maré de Rock (Sistema Único de Saúde - 19/02/2017)


Saúde é a Vida da Gente!

O atual governo é anti-Sistema Único de Saúde. Hoje, os ataques ao SUS atingem em cheio até sua base técnica. Quadros técnicos e gerenciais foram substituídos e ocupados por interesses privados e político-partidários. Esse desrespeito tem sido divulgado na sociedade brasileira. Vivemos uma grave patologia social. Manifestações de profissionais de saúde que divulgam exames de pacientes, que desejam a morte de quem discorda politicamente, expressam insensibilidade, ódio e, principalmente, preconceito e discriminação. Como se pudesse ter saúde sem solidariedade e profundo respeito ao sofrimento e à dor de quem quer que seja.

A humilhação transborda da relação entre agressor e agredido e contamina a vida na sociedade, impondo um padrão que significa a antítese do cuidar. A luta pelo SUS é uma batalha pela vida dos povos indígenas, quilombolas, crianças, mulheres e homens negros, pessoas LGBT, pessoas com deficiência, aqueles que vivem com problemas de saúde mental, de brasileiros de todas as religiões. A desigualdade provoca adoecimento e morte. O SUS é um projeto ainda inconclusivo que prevê a derrubada de muros, de barreiras relativas às diferenças de gênero, cor, raça e classe social.

Queremos um Brasil sem desigualdade, no qual todos e todos tenham o direito de viver por mais tempo com qualidade, no qual a saúde seja um direito e não um favor. O país não será moderno enquanto não dedicar seus esforços para eliminar as iniquidades gritantes no acesso e uso de serviços de saúde. Conclamamos a unidade dos movimentos sociais com os profissionais de saúde, comprometidos com a prática do acolhimento e do cuidado, em torno do respeito à vida e à dignidade humana. Juntos com todos aqueles que lutam por uma democracia real, aquela voltada para a eliminação das desigualdades sociais, poderemos organizar um sistema de saúde para todos e todas. Um sistema de saúde que poderemos chamar de nosso.

Basta de desfinanciamento do SUS!
Contra a privatização da saúde!
Saúde não é mercadoria!
Por um SUS de qualidade e de todos e todos!




O Bairro Maré no Rio de Janeiro

O bairro Maré foi criado pelo Decreto nº 2.119, de 19 de janeiro de 1994, que transformou o Conjunto de Favelas da Maré em um bairro oficial da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, o território da Maré já havia sido delimitado pelo Decreto nº 7.980, de 12 de agosto de 1988, que criou a XXX Região Administrativa - Maré.

Arte: pintonorio

A Promessa da Maré

 

Era uma época em que o Rio de Janeiro fervilhava de transformações. As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas por um frenesi de desenvolvimento urbano, onde a construção da Avenida Brasil despontava como um marco desse avanço. Bonsucesso, outrora um tranquilo bairro residencial, viu-se envolto em um turbilhão de mudanças quando se tornou área industrial, impulsionada pela expansão da nova via.


Por entre os escombros das antigas paisagens, erguiam-se as estruturas metálicas das fábricas, exalando o aroma de progresso. Entretanto, além das máquinas a vapor e das chaminés, algo mais se movia na sombra das construções industriais. Era o povo, os trabalhadores ávidos por uma oportunidade, que convergiam para essa nova fronteira do desenvolvimento.


Naquele cenário de mudança, a Maré emergia como uma promessa de futuro para muitos. O litoral lodoso, antes desolado, tornava-se um solo fértil para o sonho da ascensão social. As palafitas se erguiam sobre as águas, testemunhas das histórias entrelaçadas de tantas famílias que ali buscavam abrigo e sustento.


Em meio aos barracos de madeira e às ruas de terra batida, a vida pulsava com uma energia própria. Era um lugar de contrastes, onde a esperança coexistia com a precariedade, e a luta diária pela sobrevivência moldava o caráter daqueles que ali habitavam.


Entre o morro e as margens da Avenida Brasil, o Morro do Timbau erguia-se imponente, como um guardião silencioso daquele território. Suas encostas íngremes abrigavam os sonhos e os dramas de uma comunidade que se erguia junto com a cidade.


No entanto, a sombra da intervenção estatal pairava sobre a Maré. As ordens de demolição ecoavam pelas vielas estreitas, trazendo consigo o temor do deslocamento e da perda. Os governos, em sua busca por ordenamento urbano, via nos barracos e nas palafitas um empecilho ao progresso.
Mas, apesar das adversidades, a comunidade resistia. Cada barraco destruído era reconstruído com a mesma determinação de quem não se curva diante das adversidades. Nas ruas empoeiradas, ecoavam os cantos de resistência, lembrando a todos que a Maré não era apenas um amontoado de habitações precárias, mas sim um lar, um ponto de partida para tantos que buscavam uma vida melhor.


Assim, entre as fumaças das fábricas e as águas revoltas da Baía de Guanabara, desenrolava-se a trama da Maré. Uma história de luta e superação, onde os fios do destino se entrelaçavam na teia complexa da cidade em constante transformação.


Texto Ficcional

Autores: Dona Ia e Seu Dias

Arte: pintonorio

A Voz da Maré

O Rio de Janeiro dos anos 60 era um caldeirão fervente de mudanças sociais e urbanas. Nas favelas cariocas, a luta por melhores condições de vida ganhava força. Foi nesse cenário que emergiu a Federação da Associação de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) em 1963, símbolo de uma nova era de organização e resistência.


Desde a década de 40, entre as vielas da Maré, nomes como o de Dona Orosina Vieira ressoavam como baluartes da comunidade. A criação da FAFEG marcou um momento crucial para os moradores das favelas. Dona Orosina, com seu semblante firme e voz carregada de autoridade, era uma das principais vozes da Maré. "Precisamos de dignidade" afirmava ela em reuniões com moradores e conversas com autoridades, onde a esperança e a revolta se mesclavam.


A pressão sobre os parlamentares aumentava, e a Maré se organizava politicamente por seus direitos. O golpe militar de 1964 trouxe um período sombrio. As políticas de remoção se intensificaram, e a brutalidade estatal se tornou corriqueira. O Sr. Atanásio, um homem de voz serena, liderou várias ações e protestos contra as remoções arbitrárias. "somos trabalhadores," ele afirmava, enquanto a guarda reprimia a resistência.


Com a criação do Estado do Rio de Janeiro, a FAFEG se transformou na Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ). As lutas continuavam, agora sob uma nova bandeira. O Sr. Zé Careca, uma pessoa de espírito combativo e olhar determinado, despontou como uma liderança carismática. "A favela é nossa casa" dizia em assembleias, enquanto a repressão persistia.

Os anos 80 foram marcados pela continuidade da resistência. As associações de favela intensificaram suas ações, questionando a distância dos conjuntos habitacionais para onde muitos favelizados eram removidos, além da precariedade do transporte público para essas regiões. Dona Orosina, apesar da idade avançada, continuava a ser uma figura de referência. "Nossa luta não é apenas por moradia, é por respeito," afirmava em encontros comunitários.

Nos anos 90, as sementes plantadas nas décadas anteriores começaram a dar frutos. A comunidade da Maré viu melhorias graduais, mas a luta estava longe de acabar. O Sr. Atanásio e Zé Careca passaram a inspirar uma nova geração de líderes comunitários, que davam continuidade ao legado de resistência. "Nós somos a voz dos nossos antepassados," proclamavam jovens líderes em rodas de conversa, relembrando as histórias de luta e resiliência.


Hoje, a Maré é um símbolo de resistência e organização comunitária. A luta por melhores condições de vida continua, inspirada pelos feitos de figuras como D. Orosina, Srº. Atanásio e Zé Careca. A memória coletiva desses líderes fortalece a comunidade na busca incessante por justiça e igualdade.

A história da Maré é a história de uma comunidade que se recusou a ser silenciada. Desde pelo menos 1940, a luta por direitos e dignidade tem sido constante. A organização política da Maré é um testemunho de que a união e a perseverança podem transformar a realidade, mesmo diante das adversidades. A voz da Maré, moldada por décadas de resistência, continua a ecoar, inspirando gerações presentes e futuras.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio

Rola Rola



Nas entranhas da Maré, entre os barracos e palafitas que se erguiam como sentinelas da miséria, ecoava o clamor por água. Era uma súplica que se misturava ao vapor dos dias abrasadores e à umidade que se infiltrava pelas frestas dos casebres de madeira.
Foi em meio a esse cenário de privações e desafios que nasceu o "rola rola", uma epopeia silenciosa da resistência humana diante da escassez. Era o ano de 1951, um período em que a seca castigava impiedosamente a região, como se os céus tivessem virado as costas para aqueles que ali habitavam.
A voz de algumas pessoas ressoava como um eco distante, descrevendo a invenção que se tornou o alívio de muitos moradores da Maré. Um grande barril, envolto em dois pneus de caminhão, erguia-se como um monumento à criatividade humana, enquanto um anel de ferro o impulsionava pelos caminhos tortuosos da favela.
O objetivo do "rola rola" era simples e nobre: aliviar o fardo dos moradores na árdua tarefa de buscar água em distâncias que pareciam intransponíveis. Até o outro lado da Avenida Brasil, onde as bicas públicas jorravam sua preciosa carga, os habitantes da Maré enfrentavam uma jornada extenuante em busca do líquido vital.
Nas vielas poeirentas e nas encostas íngremes, o "rola rola" se tornou uma figura familiar, um símbolo de esperança em meio ao desespero. Enquanto o sol brilhava impiedoso sobre os telhados de zinco e as ruas de terra batida, os moradores se agarravam à promessa de um futuro melhor, alimentada pela solidariedade.
Mas, mesmo com o "rola rola" como aliado, a luta pela água potável estava longe de chegar ao fim. As moradias na Maré ainda permaneciam desprovidas de água encanada, uma cicatriz que marcava a paisagem urbana como um lembrete das desigualdades que assolavam a cidade.
Hoje, as palafitas não se erguem mais sobre as águas turvas da baía, mas os antigos moradores são testemunhas de um passado de privações e de uma luta constante pela dignidade humana. Enquanto o "rola rola" se tornou parte da história da Maré, o saneamento básico e o sistema de água ainda são motivo de preocupação para uma parte dos moradores, uma ferida aberta que clama por soluções urgentes.
Assim, nas margens da sociedade, onde a pobreza é uma realidade implacável e a esperança uma luz tênue no horizonte, a cultura material se entrelaça com a memória coletiva, moldando o destino de uma comunidade que teima em sobreviver contra todas as adversidades.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio

A Ilha Oculta

Nas profundezas da memória coletiva da Vila dos Pinheiros, reside uma história que hoje poucos puderam dizer que testemunharam.
É um conto antigo, mergulhado nas marés e no tempo, sobre uma ilha resistente entre as águas da enseada de Inhaúma.
Era uma vez a Ilha do Pinheiro, um pequeno paraíso verdejante em meio ao caos urbano do Rio de Janeiro.
 Conhecida pelos moradores antigos como "Ilha dos Macacos" e hoje pelos mais jovens simplesmente como "Mata", essa ilha era o último vestígio do Arquipélago do Fundão, resistindo bravamente aos caprichos do progresso e à voracidade dos homens.
Em 1949, o presidente Getúlio Vargas, instigado pelo ministro da Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema, ordenou o aterro da região para a construção da grandiosa Cidade Universitária. 
Mas a Ilha do Pinheiro não cedeu facilmente. 
Firme como um rochedo contra as ondas, resistiu aos avanços da modernidade e aos desejos do "progresso".
No entanto, em 1979, durante os aterros do chamado Projeto Rio, a ilha finalmente sucumbiu. 
As águas que a cercavam foram contidas, e a terra firme se estendeu para abraçá-la. 
Assim, a Ilha do Pinheiro foi anexada ao continente, perdendo sua identidade insular para se tornar parte de algo maior.
Mas o destino da ilha não foi selado ali. 
Sob os interesses da ditadura civil/militar, novos planos foram traçados. 
Habitações populares foram erguidas sobre o solo outrora verde, transformando a paisagem natural em um emaranhado de concreto e ferro.
E assim nasceu a Vila do Pinheiro, um conjunto de moradias modestas que guardava em seu nome a lembrança da ilha perdida. 
Entre as paredes estreitas das casas germinadas, os habitantes da vila seguiam suas vidas, mantendo viva a chama da memória.
Era lá, na Vila do Pinheiro, que a história da Ilha do Pinheiro encontrava um novo capítulo, primeiro como Parque Municipal Ecológico da Ilha  do Pinheiro e a partir de 2021 como Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos.
Entre as ruas e os becos, ouve-se o eco das águas que um dia banharam aquelas terras. 
E mesmo que o passado estivesse enterrado sob o peso do progresso, suas raízes continuariam a se entrelaçar com o presente, lembrando a todos que, por trás de cada tijolo e cada telha, havia uma história de uma antiga ilha para ser contada.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias

Esperança Junina

Em uma noite fria de junho, na Favela da Maré, um grupo de moradores se reunia em uma pequena sala comunitária para discutir uma ideia que poderia trazer um pouco de esperança para a comunidade da Nova Holanda: uma festa junina para arrecadar fundos para uma creche local.


Entre os presentes estavam professores que sonhavam com um futuro melhor para as crianças da favela, e mães dedicadas que buscava oportunidades para seus filhos.

Decididos a levar adiante o projeto, os moradores organizaram tudo meticulosamente, preparando comidas típicas, montando barracas e planejando atividades para as crianças. No entanto, havia um obstáculo: a necessidade de autorização para fechar a rua onde seria realizada a festa. Com coragem, alguns colegas decidiram ir até o 22º batalhão de Polícia Militar para pedir a autorização necessária. Ao chegarem lá, foram recebidos pelo comandante, que os encarou com desconfiança.

Após ouvir a proposta, o comandante lançou um aviso sombrio: "Eu não vou dar autorização nem vou impedir, se os "meninos" estiverem por perto e houver problemas, a responsabilidade será de vocês". Essa resposta ecoou na mente dos moradores, trazendo à tona as tensões e desafios enfrentados diariamente na favela.

Uma ameaça pairava como uma sombra sobre a festa planejada com tanto carinho para as crianças da comunidade. Enquanto isso, discursos desumanos das autoridades ecoavam como uma sinfonia macabra, reforçando a ideia de que a vida na favela não tinha o mesmo valor que em outros lugares. Palavras que denotavam a desvalorização da vida nas favelas, como se fossem territórios onde as regras da humanidade não se aplicassem completamente.

As frases cruéis e desumanas proferidas por políticos e autoridades ecoavam como um grito de desespero para aqueles que lutavam por dignidade e justiça. Sentiram-se abandonados pelos governos, que pareciam mais preocupado em manter sua "ordem" do que em proteger a vida das crianças da comunidade. No entanto, apesar das adversidades e do constante desrespeito às vidas daqueles que habitavam a favela, a comunidade se uniu em solidariedade e resistência.

No dia da festa junina, as ruas da Nova Holanda se encheram de cores e música. Mesmo com o risco iminente da presença dos "meninos" e da violência que os acompanhava, a comunidade se uniu em um ato de resistência pacífica, mostrando que a solidariedade e o amor podiam superar qualquer obstáculo. A festa junina aconteceu, trazendo alegria e esperança para as crianças e suas famílias, que se recusavam a aceitar a desumanização imposta sobre eles.

Enquanto o mundo exterior continuava a menosprezar suas vidas e a relativizar sua humanidade, os moradores da Favela da Maré se mantinham firmes, lutando por um futuro onde todos fossem reconhecidos como iguais, independentemente de onde vivessem ou de sua condição social. Pois sabiam que, apesar de todas as adversidades, eram seres humanos dignos de respeito e dignidade, e estavam determinados a lutar por um futuro melhor para si e para as gerações vindouras.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias






Samba de Mutirão

No coração da Maré, onde o mar encontra a terra e os sonhos se entrelaçam como os fios de uma rede, vive-se uma história de solidariedade e resistência.
É um convite à união, um chamado para todos os irmãos, para que se juntem no samba que é de mutirão.
Sob o sol forte ou céu estrelado, as vozes se elevam em harmonia, tecendo rimas como tecelãs habilidosas que entrelaçam os fios da vida.
Nas lajes das casas humildes, o som dos tambores ecoa, rompendo as barreiras invisíveis que separam os corações.
É a comunidade, pulsando como um único ser, onde todos dão as mãos em uma dança sagrada de esperança e solidariedade.
Nesse universo de poesia e luta, as divisas desaparecem, e o povo se torna a própria essência da sociedade.
Acredita-se no poder da coletividade, na força dos que resistem juntos, unidos pelo mesmo ideal de justiça e igualdade.
É o samba que une, que acalma as águas revoltas da vida e aponta para um horizonte de esperança.
A cada batida dos tambores, um eco de liberdade ressoa nos becos e ruas estreitas, anunciando que o dia da mobilização está próximo.
Se benze que dá, pois o caminho está aberto para aqueles que têm fé no poder do povo, no poder da música e na força da união.
Esta é a galera da Maré, uma comunidade de gente bamba, de corações valentes que enfrentam as adversidades com dignidade e amor.
E neste samba, neste canto de resistência, encontram-se as vozes de todos aqueles que acreditam em um mundo melhor, onde a solidariedade e o respeito são os verdadeiros pilares da sociedade socialista.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio 




Das Sombras à Resistência

   

Na penumbra do entardecer, as sombras da antiga Favela do Esqueleto se estendiam pelo terreno onde hoje se ergue majestosa a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
 No entanto, a história daquele lugar remete a tempos muito diferentes, tempos marcados pela luta e pela resistência de um povo esquecido.
Era o ano de 1930 quando as primeiras construções improvisadas começaram a brotar entre as estruturas abandonadas do que seria um hospital do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
 As pessoas, desabrigadas e desamparadas, viram naquelas ruínas a oportunidade de um lar. Assim, a Favela do Esqueleto nasceu, um emaranhado de barracos e vielas que abrigavam vidas marcadas pela adversidade.
As décadas passaram, e a favela cresceu, tornando-se um ponto de referência na paisagem urbana do Rio de Janeiro. Contudo, nos anos 60, uma sombra ameaçadora pairou sobre aquele pequeno universo.
O projeto de remoção de favelas das áreas centrais e nobres da cidade ganhou força, impulsionado pelo apoio dos Estados Unidos e pela sombra sinistra da ditadura que se instalara no país.
Os moradores do Esqueleto foram obrigados a abandonar suas casas, seus lares improvisados, e foram levados para terras distantes do centro e da zona sul.
A maioria encontrou destino na então recém-fundada Vila Kennedy, uma homenagem ao presidente dos Estados Unidos que financiara o projeto de remoção.
Antes de chegar à nova morada, porém, enfrentaram uma provação ainda maior.
O Centro de Habitação Provisória (CHP), na Maré, era o primeiro ponto de parada para aqueles que eram deslocados. 
Mas o que era para ser temporário tornou-se uma verdadeira saga.
Os barracões insalubres e as condições de vida precárias alimentavam um clima de descontentamento entre os alojados.
Foi nesse cenário de desesperança que surgiu a semente da resistência.
Os moradores, unidos pela adversidade, fundaram uma Associação de Moradores por volta de 1980.
Aos poucos, o que era para ser um lugar provisório se transformou em uma comunidade permanente. 
Assim, nascia a Nova Holanda, um reduto de esperança em meio à escuridão da opressão.
Nas vielas estreitas e nos barracos de madeira, o espírito de solidariedade prevalecia.
As histórias de luta e superação ecoavam entre as paredes, fortalecendo o vínculo entre aqueles que ali viviam.
A cada dia, a Nova Holanda se erguia mais forte, desafiando as adversidades e reivindicando seu lugar na cidade.
E assim, a Favela do Esqueleto, um dia banida e esquecida, tornou-se o berço de uma nova comunidade.
Entre os escombros do passado, brotou uma nova esperança, alimentada pelo desejo inabalável de liberdade e justiça. 
E na memória daqueles que ali vivem, o nome da antiga favela ecoa como um lembrete de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a luz da resistência nunca se apaga.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio 





Fortaleza de Esperança


Numa terra onde o sol queimava forte como o desejo de liberdade, a Maré erguia-se como uma fortaleza de esperança, ainda que cercada por estratégias ocultas.
Era a década de 80, e a ditadura civil/militar decidiu intervir na vida dos maréenses com promessas de um futuro melhor.
Mas o que para alguns parecia um gesto de benevolência, revelava-se como uma teia maquinada pelos poderosos, uma trama de interesses escusos.
Nas páginas amareladas dos jornais da época, ecoavam os discursos políticos, entrelaçados com os gritos daqueles que clamavam por justiça social.
"Figueiredo vem ao Rio para visitar projeto na área da Maré", estampava O Globo em letras garrafais, como se o nome do presidente fosse uma bênção para os desfavorecidos.
Por trás das cortinas do poder, os verdadeiros propósitos se revelavam: eleições, reformas, estratégias para manter-se no comando e no poder.
A Maré, porém, não se curvava facilmente ao engodo da tirania.
Reuniões tumultuadas em assembléias, comitês clandestinos sussurrando conspirações, associações de moradores unidas formavam um escudo contra qualquer forma de opressão.
A resistência e organização social cresciam, alimentadas pela solidariedade e pelo desejo de dignidade.
O que começara como um projeto de aterros e remoções, transformava-se sob a pressão popular em uma luta pela urbanização.
E assim, entre promessas vazias e esperanças renovadas, o tempo seguia seu curso.
Casas populares erguiam-se como um símbolo de progresso, títulos de propriedade distribuídos como moedas de troca em palanques políticos.
"Entregues 1546 casas na vila do João, além de 1057 títulos de propriedade em clima de comício político", proclamava o jornal, enquanto o povo assistia, cético, desconfiado das intenções por trás dos sorrisos forçados.
Mas o fim das obras não trouxe o alívio esperado.
A desilusão espalhou-se como uma sombra sobre a Maré, quando o governo decretou o encerramento dos trabalhos, apesar da maioria da favela permanecer à margem da urbanização prometida.
Os protestos ecoaram pelas vielas estreitas, reverberando como um grito de revolta contra a injustiça.
No turbilhão dos anos que se seguiram, a Maré resistiu.
Retomou-se a luta, as obras foram reiniciadas, encerradas novamente, num ciclo interminável de promessas quebradas e sonhos adiados.
E embora o cenário pudesse parecer desolador, entre os escombros erguia-se a força indomável do povo, a certeza de que, mesmo diante das adversidades, a esperança jamais se extinguiria na Maré.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio 




Entre as Fumaças e os Sonhos


Como circustância das duas grandes guerras mundiais, a paisagem do Rio de Janeiro começou a transformar-se gradualmente entre novembro de 1918 e setembro de 1950.
A industrialização progressiva dos subúrbios cariocas, impulsionada pelo aumento das exportações e pela diversificação da produção, desenhou novos horizontes urbanos.
As fábricas, como sentinelas metálicas, ergueram-se nos subúrbios cariocas, um testemunho da transformação que as guerras trouxeram.
Mas enquanto a fumaça das chaminés enegrecia o céu, a esperança pairava frágil sobre os ombros dos migrantes, que chegavam em busca de um pedaço de pão, uma fatia de dignidade nas entranhas da cidade.
Nesse cenário, onde a fumaça das chaminés se mesclava ao azul do céu, ergueu-se a fervilhante Maré.
A Cidade dos Aliados, rebatizada posteriormente como Praça da Nações, emergiu como um símbolo da modernidade e progresso.
Antes uma vasta extensão de terras da Fazenda do Engenho da Pedra de Inhaúma, agora um polo urbano em ascensão.
Guilherme Maxwell, o engenheiro visionário, traçou ruas e praças, batizadas em homenagem aos países aliados da Primeira Grande Guerra e suas capitais: Londres; Paris; Roma; Bruxelas...
Próximo dos rios Faria, Timbó e Jacaré, as indústrias pioneiras encontraram abrigo, mas essas indústrias pioneiras, já antes de 1930, buscavam terrenos altos, distantes das cheias dos rios e das enchentes que ameaçavam devorar os sonhos dos trabalhadores.
Nos subúrbios adjacentes, indústrias como a Companhia Nacional de Tecidos Nova América e a General Electric estendiam suas influências.
À medida que as fábricas se multiplicavam, a cidade estendia seus braços para acolher os novos migrantes, atraídos pelo promissor mercado de trabalho.
No entanto, junto com o influxo populacional veio também o desafio das favelas em expansão, marcando o desequilíbrio entre o crescimento industrial e as políticas de urbanização.
Entre os barracos, palafitas, pontes de madeira e os becos escuros, nasceu a Maré, uma comunidade entrelaçada por fios de sobrevivência e solidariedade.
No fulgor das novas oportunidades e as sombras das desigualdades sociais, a Maré florescia, testemunhando a jornada épica da urbanização carioca, forjada nos estilhaços de uma guerra mundial.
E assim, entre o rugido das máquinas e os sussurros do passado, a Maré cresceu, não apenas em números, mas em histórias entrelaçadas, como os fios de uma teia invisível que conectava cada vida, cada sonho, cada esperança numa rede inquebrável de humanidade.

Texto Ficcional
Autores: Dona Ia e Seu Dias
Arte: pintonorio